Estava na rua da Santa Catarina, uma das mais movimentadas do Porto, junto ao Grande Hotel do Porto, onde combinei encontrar-me com Karina. Dezenas de pessoas caminhavam apressadas em diferentes direções, cruzando-se e afastando-se sem deixar marca. No meio da multidão, surgia a imagem de uma pessoa que parecia saída de um filme antigo: o casaco combinava com o frio que se fazia sentir, mas o chapéu e o penteado, a forma de estar, destoava da época em que nos encontrávamos, embora combinasse muito bem com o hotel onde entramos para beber um chá.
Lira Karina é uma modelo e influencer ucraniana que eu acompanhava no Instagram há vários anos. Era uma inspiração na área da moda, na forma como vivia, no estilo de vida vintage e elegante que eu adorava. Bonita, segura de si, com vestidos elegantes, batom vermelho e eyeliner, Lira Karina estava sempre nos locais mais bonitos, a fazer as viagens mais interessantes, num ambiente cénico que só existe nos filmes antigos. Karina tinha uma vida de sonho. Sem maldade ou qualquer tipo de inveja, eu pensava que queria ter aquela vida, enquanto fazia scroll pelos seu perfil. Queria construir aquela vida para mim. Até fevereiro de 2022. Aí, agradeci por não estar na sua pele.
Quando a guerra começou continuei a acompanhar Karina através do Instagram. Os stories com vestidos bonitos foram substituídos por imagens da guerra, as fotos da maquilhagem perfeita foram substituídas por imagens de lágrimas e as viagens luxuosas eram agora uma fuga para um lugar seguro.
O bonito apartamento foi deixado para trás, quando Karina saiu de Kyiv e se refugiou numa pequena cidade mais tranquila na Ucrânia. Mas, se num dia ela mostrava como tudo estava calmo, no dia seguinte mostrava marcas de destruição. Os seus stories alternavam entre uma ida às compras e uma mensagem de otimismo e o som das sirenes, a correria para o abrigo e o medo do que estaria por vir.
Eu nunca tinha falado com ela e ela não sabia que eu existia. Mas eu seguia-a há tantos anos, que conhecia um pouco da sua vida e, de alguma forma, um pouco de quem era. Todos os dias tentava perceber se ela estava segura no meio de tudo que estava acontecer. De alguma forma, parecia que estava a ler o Diário de Anne Frank, em direto, através do Instagram.
A sua vida passou a ser um reflexo da instabilidade da nossa existência: não importa o quão perfeita é a tua vida, o quão incrível é a tua casa, o quão caros são os teus vestidos, o quão reconhecida e bem sucedida és, no dia em que uma guerra começa, isso não significa nada.
Karina era, de repente, a personificação do sofrimento causado pela guerra, na primeira pessoa, em direto, sem filtros.
As filas para sair do país eram gigantes, foram horas passadas no trânsito até conseguir embarcar para a Islândia, com apenas uma pequena mala e a roupa do corpo. Depois da Islândia voou para Paris. Depois, Portugal.
Sentada diante de mim no tranquilo bar do hotel, estava uma mulher de 24 anos, que se viu obrigada a deixar a sua casa para trás, os seus amigos, a sua família. O pai continua na Ucrânia, a mãe está a caminho de Chicago, onde tem família. Karina conseguiu um quarto no Porto e apaixonou-se pela cidade. Não sabe se vai ficar, até quando vai ficar, ou para onde irá a seguir. Pensa em regressar à Ucrânia, diz que de nada serve viajar pelo mundo quando não se tem um lar para onde voltar. Mas não sabe quando, ou como, isso será possível.
Karina continua destroçada pela guerra, mas diz que escolheu ser feliz. Voltou a criar conteúdos inspiradores para os seus mais de 400 mil seguidores no Instagram, criou projetos novos e nunca baixou os braços. “Sinto que, neste último ano, envelheci cinco ou dez anos. Mas as pessoas adaptam-se a tudo. Eu estou a viver com essa dor e, ao mesmo tempo, eu vejo que existe muita gente com os mesmos problemas, mesmas depressões e melancolia na Europa. E eles não têm guerra. Eu escolhi viver feliz”, conta Karina.
“Como os ucranianos dizem, depois da guerra, as suas vidas tornaram-se mais ativas, porque vivem cada dia como se fosse o último. Então, não desperdicem os vossos possíveis últimos dias de mau humor”, aconselha a jovem ucraniana a viver no Porto.
“Pensei que depois de Paris nada me surpreendia, mas enganei-me”
Karina passou o natal sozinha, assim como a passagem de ano e o aniversário de 25 anos. Da segunda vez que a encontrei, era uma pessoa diferente. O cabelo curto, uma nova alegria no olhar por estar a chegar da Arábia Saudita onde foi a trabalho, uma nova esperança de conseguir ficar no Porto, de conseguir trabalhar na cidade. Tudo continua muito incerto, mas Karina está apaixonada por Portugal e e pela cidade que a acolheu. “Pensei que depois de Paris, nada me surpreenderia… Mas o Porto surpreendeu-me muito”, conta a jovem que adora explorar a cidade e incentiva todos a visitá-la.
Os edifícios medievais e o rio Douro repleto de barcos que a fazem sentir num filme de Piratas das Caraíbas são alguns dos motivos que a fizeram apaixonar-se pela cidade Invicta. “Adoro a vista para o Porto a partir de Gaia, onde se vê o rio e a cidade. Também adoro a Sé do Porto e a vista para a cidade. É simplesmente incrível e sempre que estou lá quero chorar por ser tão bonito, deslumbrante e de tirar o fôlego. O Palácio de Cristal também. Adoro esse lugar. É um parque muito calmo e bonito”.
Lira Karina ensinou-me várias coisas ao longo deste ano. Como a nossa vida pode mudar rapidamente sem que possamos fazer nada para o impedir, como somos capazes de nos adaptar a tudo e como podemos ser felizes, mesmo com tristeza trancada numa gaveta.
Não conhecia. Obrigada por partilhar!
Acredito que tenha sido um encontro muito agradável para troica de conhecimentos
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Saudações cordiais … Feliz semana
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É fácil estrangeiras/os se apaixonartem por portugal. O nosso País é acolhedor, calmo, lindo
Um dia de ternura, com Saúde, Paz e Amor.
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Poema:- Este meu corpo, tão teu
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Muito bonita