Muitos procuram a Nazaré em busca das ondas que Garret McNamara mostrou ao mundo, mas o meu lugar favorito não está no mar e sim na areia: o Museu (Vivo) do Peixe Seco da Nazaré. Enquanto ao fundo as enormes ondas rebentam de forma selvagem, na areia as mulheres organizam calmamente o peixe com paciência desmedida.
Numa época em que os homens iam para o mar com o objetivo de apanhar peixe e não ondas, as mulheres ficavam em terra a vender o pescado. Quando a noite chegava e o peixe sobrava, em tempos em que a refrigeração era uma miragem, a solução era secar o peixe e vendê-lo no dia seguinte.
Muita coisa mudou desde então. O McNamara nasceu, a Nazaré tornou-se famosa pelo surf, a refrigeração tornou-se um bem essencial… Mas a força e determinação das mulheres da Nazaré continuou. Em anos atípicos, não se deixam levar pelo desespero e enfrentam as dificuldades de frente, com aquele tipo de fibra que não se encontra nem nas melhores pranchas.
Manuela Falacho: A Grande Alma da Nazaré
A imagem da mulher da Nazaré, com as suas saias e lenço na cabeça, não mudou muito ao longo dos anos, mas em 2020 há um acessório novo: as máscaras que recordam o momento em que vivemos. Sem excursões de turistas as vendas diminuíram, embora o trabalho continue. Mas vestida toda de negro, como quem conta a sua história sem usar palavras, Manuela Falacho não se deixa abalar pelos tempos atuais e está feliz por nos ver. Apesar de reconhecer as dificuldades, não lamenta a queda nas vendas e mostra-se otimista. Porque hoje é um dia bom para Manuela. Hoje, Manuela acordou mais tarde.
“Hoje só vim às 10 horas. Não tinha peixe para estender, vim só para vender”, diz alegre, como se o dia fosse melhor por ter começado mais tarde. Manuela tem 88 anos, seca e vende peixe desde os 7. Manuela trabalha de sol a sol há mais de 80 anos, mas hoje só veio às 10 horas – como se fosse pouco.
Manuela Falacho é a personificação da nazarena, com uma vida marcada por dificuldades. Marcas que lhe ficam na pele. A cara – que abriga um sorriso discreto, mas radioso – está marcada não só pelo tempo, mas também pelo sol. As mãos inquietas contam a história de uma vida inteira de trabalho.
Nos polegares, cicatrizes sobrepõe-se umas as outras. Memória de um tempo em que os carapaus eram arranjados à mão e, não raras vezes, as espinhas rasgavam a pele. O peixe que dava o pão também dava a infeção e entre o estender, o secar e o vender, não havia tempo para filas de espera no centro de saúde, surturas ou curativos a cada dois dias.
Manuela encara as dificuldades como sempre encarou as feridas abertas na pele: fingindo que não dói, até deixar de doer. Manuela nunca teve tempo para cuidar das feridas, nunca teve tempo para se queixar, para parar… Depois de tanto tempo, Manuela recusa-se a fazê-lo. Não porque não pode. Mas porque não quer.
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Já não me lembro de ir à Nazaré!