As minhas memórias mais felizes de infância estão relacionadas com vinho (algumas das minhas memórias mais felizes da vida académica também, mas por motivos muito diferentes, e isso agora não interessa nada). Nesta visita pelo enoturismo do Centro de Portugal voltei a sentir aquele aroma das uvas esmagadas e do vinho a fermentar que me despertou as recordações.
Quando era criança o quintal da minha casa estava repleto de videiras que, depois de podadas, enxertadas e sulfatadas (não necessariamente por esta ordem) estariam prontas para a vindima. E, meus caros, era todo um acontecimento. Reuniam-se primos, tios e tias para ajudar, a minha mãe preparava merendeiros enquanto os homens subiam a escadas para colher as uvas mais altas. Eu envergava com orgulho a minha pequena tesoura enquanto segurava o balde no braço para colher as uvas mais baixas. Sejamos sinceros, não era de grande ajuda e, raramente, enchia o balde antes de me cansar e me sentar num canto qualquer. Mas essa não era a minha parte favorita, o que eu gostava mesmo era de pisar as uvas no antigo – e agora destruído – lagar de pedra lá de casa.
A minha mãe sempre contestava um pouco perante o perigo de me afogar em vinho – haveria de acontecer, no sentido figurado, em certas festas académicas anos mais tarde, mas isso também não interessa nada.
A Susana de 5 ou 6 anos adorava colocar os seus pequenos pés no meio das uvas tintas que lhe manchavam as pernas com um tom único. Nesses tempos, odiava o sabor do vinho, como é comum nas crianças. No entanto, nem todo o vinho era amargo, não se fosse retirado ainda no início da fermentação. O Vinho Novo, meus caros, era a melhor bebida do mundo. Devia ser bebido com uma moderação que eu nunca tive e era um verdadeiro néctar dos deuses pelo qual esperávamos o ano inteiro. Era sempre bebido em família e, sim, era permitido às crianças que ostentavam com orgulho os bigodes tintos e se sentiam muito adultas por beber “vinho”.
Há 20 anos diria que sabia a sumo de uva e isso bastava. Hoje, sabe a infância e isso mais do que posso explicar.